quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Um novo dia chegou!


Em baixa velocidade eu ia revendo todo o percurso de dois dias atrás, observando cada detalhe, agora sobre a luz do dia, e sem vestígio nenhum de toda aquela chuva, e por falar em chuva, lembrei do pequeno problema no carro... Precisava consertar, mas não agora, por hora haviam coisas mais importantes, também não tinha ideia de ninguém que pudesse vê isso pra mim, Quem sabe Bertrand soubesse me informar algo depois. 



Estacionei o carro, dei umas voltas pela praça... A cidade me pareceu um pouco deserta, ou apenas eu é que me sentisse sozinha demais.
Fiquei ainda um tempo observando o lugar. Talvez eu demorasse um pouco a me acostumar com a localização de seus edifícios, era tudo tão diferente de Champ le Sims. Ali eu não tinha o mesmo reconhecimento. Mas em parte eu estava feliz por isso.




De súbito tive minha atenção voltada para a moça que acabara de entrar em um dos edifícios públicos há alguns metros de onde eu estava... Acompanhei-a com os olhos.
- Jessica???
Aquela poderia nem ser ela, mas não me custava conferir. Apressadamente caminhei até o mesmo edifício, e só quando já me encontrava em seu interior é que me dei conta que se tratava de uma biblioteca,  Enorme por sinal.



Entrei na primeira sala a esquerda e lá estava a moça... Sentada... Concentrada em seu livro...
Assim de perto, não pareceu tanto a ponto de confundi-la, pois não se tratava da Jessica Baron, mas poderia ter jurado que sim, caso não a tivesse reconhecido pela roupa.



Falando em Jessica... Ela estava ansiosa com a minha chegada, e talvez eu tivesse feito pouco caso disso, já estava na cidade há dois dias e ainda não havia encontrado tempo de vê-la, logo ela entraria em contato me dando uns 'esporros' por conta disso, conhecia-a bem a ponto de saber que não estaria livre caso ela decidisse 'não entender.'
A desorganização em minha vida era tamanha que, se fosse o caso de encontra-la agora com certeza ela estranharia ao vê que ao invés da amiga centrada, com a qual ela estava acostumada, mesmo a distancia, encontrasse alguém completamente perdida. Por outro lado eu sei que ela me ajudaria a superar essa barra, ela sempre foi boa nisso.



Estava decidido, não esperaria mais!!! Chegando em casa trataria de entrar em contato,  e ‘ai’ dela se não tivesse tempo pra mim!
Não falei com a moça na biblioteca - ela parecia absorta em sua leitura - só que também não voltei nos meus passos, fui até uma das estantes e escolhi alguma coisa interessante a fim de passar o tempo...


           
           Minutos depois ela levantou e foi ate a estante ao meu lado - como se estivesse repetindo os meus gestos anteriores - Embora eu estivesse prestando bem atenção aos seus movimentos, procurei não demonstrar, vendo que não chamaria a minha atenção, pegou outro livro e dirigiu-se a mesa em que eu estava. - Arriscou. 



- Luma Morton... É esse o seu nome, certo?
Olhei para ela ainda uma vez e levantei, colocando o livro sobre a mesa, já que ela parecia empenhada em não me deixar continuar a leitura.
- Acho que você já me conhece, precisa mesmo que eu responda sua pergunta?
Então ela continuou:
- Vi uma matéria na semana passada sobre você, coisa do exterior...
- Sobre o que exatamente?
- Algo relacionado à moda, não é muito meu forte, ainda assim achei algumas de suas criações de uma beleza incrível.
- Tendências ultrapassadas de moda agora.
- Já almoçou?
Foi então que me dei conta que já era quase meio dia, não tinha ligado pra Bertrand, como o prometera e também não havia comido nada.
- Não. - e completei - Ainda.
- Tem um ‘restaurantezinho’ aqui perto, não é dos melhores, mas serve uma comidinha excelente, me acompanha?
Cogitei antes de qualquer resposta... Mas ela não parecia ser nova ali e provavelmente conhecia a cidade bem melhor que eu.
- Pode ser. - respondi.
- Prazer Luma, me chamo Raquel - disse estendendo-me a mão. - Mas pode me chamar de Quel!



O lugar realmente não ficava muito longe da biblioteca, e a Raquel deveria estar no mínimo com meio metro de estômago vazio, a julgar pela quantidade de comida que ela devorou em tão pouco tempo. Terminei de comer e fiquei um tempo observando-a, enquanto ela ia falando pelos cotovelos.
Como ela ainda daria conta daquele hambúrguer sobre a mesa, não me pergunte.
- Então... Você deve estar acomodada na Mansão perto da cachoeira não é? A Mansão Morton.
- Não sei por quanto tempo.
- Não tem medo?
- Por que teria?
- São muitas as histórias que rondam aquelas terras, histórias eu diria ate que... macabras.
- Mora aqui há bastante tempo?
- Nasci aqui. Adoro este lugar!
- Então creio que nos veremos outras vezes
- Ah sim... Com certeza! Vai me deixar levar você a outro lugar?
- É... Praticamente só estou mesmo sendo levada nos últimos dias, então... Por que não?
- Ok... Vem comigo!



Eu deveria estar mesmo fora do meu juízo comum por estar me deixando guiar por alguém que eu mal sabia quem era. De qualquer forma ela tinha salvado o meu dia.
As 4:00 horas ela me fez esperar por alguns minutos de frente a sua casa,
- Me dá dois minutos!
E passou voando pelo portão, subiu correndo as escadas pra sair logo em seguida dentro de uma roupa de banho...



E descermos a pé uma ribanceira por trás da casa. Contou que sempre ia ali.
Praticamente correndo na minha frente, ela tomou certa distancia gritando:
- Vem logo!!! Daqui a pouco anoitece, e ainda preciso te levar a outro lugar.
- Você está louca se está pensando que vou entrar ai.





- Você não vai entrar nessa água, vai?
- E por que não?
- Você nem sabe se essa água é limpa! Você...
E ela entrou. Antes que eu pudesse concluir a frase, ela entrou!
Eu realmente não estava acreditando no que acabava de vê, como ela pode?
- Vem. Está boa a água!
- Você é louca!!! Isso sim... Fiquei de fora e esperei por ela impacientemente.



Não demorou muito até ela sair indignada...
- Não tem como se divertir com você desse jeito!
- O que você queria? Que eu caísse nessa água imunda e saísse dai toda ensopada como você está agora? O que você pensa que eu sou? Louca?
- Gosto de adrenalina!
- Adrenalina é a doença de pele que você vai pegar qualquer dia desses se continuar fazendo isso.
- O que é? Não sou tão fresca como você parece ser e essa água, embora turva... Não é poluída tá?
- Que seja! Ainda assim não te acho menos louca por isso!
- Você é tão sem graça!
- Vem vamos!
- Onde agora? Só não me diga que vai tentar um triplo mortal carpado da ponte!
- Engraçadinha.
Eu simplesmente ia me deixando levar pelas loucuras dela...
- vou me secar!



Acompanhei-a de volta a mesma casa, ela entrou trocou de roupa e voltou em menos de 20 min...
- Prática você!
- Sempre. - e sorriu - Você bebe?
- Socialmente.
- Era de se imaginar.
-Ta de carro né?
- Sim... mas...
- Então vem.



Ela ia atropelando minhas palavras como se até o fim do dia o objetivo dela fosse me apresentar toda a cidade, eu não sei... Mas começava sentir certo cansaço!
O dia começava cair... E eu não fiz nada do que pretendia ate então... Por volta das 6:00 da noite estacionamos em frente a uma boate...
- Onde dessa vez?
- 'Toca do Toninho'
- Não tinha outro lugar com um nome menos estranho não? Estamos praticamente em uma rua sem saída e pra mim isso se parece mais com um prédio abandonado.
- É o mais movimentado no fim de semana, larga de ser careta!
- Ah é?  Grande o movimento não? - disse olhando em volta, como se quisesse mostra-lhe que além de nós duas não havia viva alma ali.
No outdoor em frente, a imagem de uma mulher estampava o cartaz... Perdi alguns segundos admirando tamanha beleza...
- Bonita né?
- Bastante - respondi
- Modelo?
- Que nada...  Atriz! Chegou a alguns anos, ofuscando o brilho de outras estrelas, é muito boa no que faz!!! Ainda vai ouvir muito falar sobre ela... Seja pelas confusões em que se mete ou pelo seu desempenho na carreira de atriz, sabe como é né? Pessoas assim, digo celebridades, estão sujeitas a terem suas vidas expostas... Mas ao que parece ela não se importa muito com o que dizem!
Ela foi falando enquanto eu ia imaginando cada uma das peças de minha última coleção exibidas em um desfile de moda naquele corpo exuberante... Uma pena! Pensei...
Como atriz ela seria também ótima modelo!



- Então... Quer sair daqui? - ela interrompeu meu transe.
Eu via uma sucessão de imagens dançando pela minha cabeça... Nos últimos meses em Champ le Sims eu tinha desenvolvido duas coleções que nem sequer haviam sido lançadas... Se um dia eu elaborasse um desfile pra divulga-las, com certeza eu ia querer vê uma delas em Lana Turner.
- Ei! Helloooo... Acorda! Vamos ficar aqui? Paradas, esperando a boate abrir? Pisa no acelerador minha filha! Tenho outra ideia melhor pra gente.
Balancei a cabeça de um lado para o outro, como se quisesse afastar minhas últimas ideias, dei meia volta no carro, acelerei e dali por diante mais uma vez, fui sendo guiada pelas palavras da Raquel, que parecia conhecer muito bem a cidade.



A Boate da vez tinha o nome de “O Moedor”
- É possível que aqui só existam lugares reconhecidos por nomes tão toscos?
Ela me fulminou com os olhos.
- Você fala demais!
É mentira que ela estava me dizendo aquilo, quer dizer que 'eu' é que falava demais?
Pela agitação a coisa lá dentro parecia animada. Não sei se tomei a decisão mais acertada, mas uma vez ali, decidi que o melhor seria entrar logo de uma vez.



Ela foi direto pra pista, eu procurei um lugar pra sentar... O que me deu na cabeça de seguir aquela ‘doida’ pelos quatro cantos da cidade? Ela já devia está acostumada a lugares agitados e badalação, ao contrario de mim que havia passados os últimos anos de minha vida reclusa, e no aconchego ou segurança do meu lar.
- Perdida em seus pensamentos novamente Luma Morton?
Levantei a cabeça e me deparei com ela vindo em minha direção, com um drink...
- Trouxe pra ti! Não sei o seu preferido, mas decidi arriscar.
- Não precisava... Estou quase de saída! 



- O que? Mas você mal aproveitou a noite! Nem saiu dai desde que chegamos, nem dançou, nem bebeu nada...
- É eu sei... Mas o tempo parece não está dos melhores, temo que caia um temporal logo mais, preciso mesmo ir, sai cedo... Sequer dei noticias desde então.
- Tá... Então... Vou com você! Só promete que não vai sair sem antes tomar um drink comigo.
- Você é insistente em garota!



Fui até o bar pedir nossos drinks enquanto ela se despedia de um ‘carinha’ meio brega com o qual ela havia dançado praticamente boa parte da noite. Louca ou não, eu tinha que admitir... Ela foi uma ótima companhia!



- Então... Brindemos a que?
- Este dia?
- Que tal a uma amizade?
- A uma amizade então. – Sorrimos juntas!

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Me encontrando


Naquela tarde ainda fui à estufa... E acho que descobri por onde Bertrand havia entrado para o salão principal na noite anterior, a estufa tinha uma portinhola que dava acesso por sua vez ao pomar, lugar que parecia ser o seu preferido. Devagar e aos poucos, eu fui conhecendo minha nova casa.



 Então vi ao longe a figura de Bertrand... Ele parecia concentrado fazendo alguma coisa em uma espécie de caixa quadrada de madeira.
- Gosta de abelhas? – ele perguntou ao ver que eu o observava do lado de dentro da estufa
Não entendi o que ele quis dizer, e percebendo minha falta de compreensão... Ele falou um pouco mais alto
- Aproxime-se!!!



Apreensiva, saí da estufa e fui ao seu encontro.



 Assim de perto, confesso que fiquei assustada ao vê a habilidade com que ele lidava com as abelhas...
- Não tem medo!?
- Que nada! Acabam acostumando com você! Me fizeram companhia um tempo, antes de sua chegada!



- E os cavalos? – perguntei indicando o estábulo ali perto.
- Um foi vendido pelo seu avô.
- E o outro?
- A ‘outra’ - ele deu ênfase ao feminino da palavra - Foi deixada na hípica, alguns meses antes dele falecer, quando já se encontrava moribundo. Ele tinha uma verdadeira adoração pelos animais, pena que não tinha mais como cuidar dela... Como tinha um afeto especial por esta, não quis se desfazer, achou que lá seria melhor tratada, era uma égua muito bonita. 
- Posso vê-la depois?
- Por que me pergunta? É sua Senhora! Como não poderia?



Sem resposta para o que acabava de ouvir, decidi que o melhor seria deixar Bertrand com ‘suas’ abelhas e caminhei até a piscina enquanto ele continuava o seu serviço sem interrupções de minha parte, Sabia que não era uma pessoa muito fácil de lidar, mas eu estava tentando dá o melhor de mim.
Por que ele tinha que dificultar as coisas? Ele pareceu ouvir meus pensamentos, Na metade do percurso, um chamado...
- Senhora Luma?
Era a primeira vez depois do episódio do piano, hoje cedo, que ouvia Bertrand me chamar de Luma, mesmo que este fosse acompanhado de um ‘Senhora’... Pra mim já era um bom começo.



Fiquei imóvel enquanto ele vinha em minha direção
- Já foi lá em cima?
- Não.
- Acredito que vá gostar, encontre um tempo depois e não deixe de ir. Agora, se me dá licença... Irei preparar o jantar.



Confesso que fiquei curiosa, então mudei o percurso, dá piscina para o andar de cima. E não era sem tempo... Além da chuva, o dia parecia começar a cair, e tudo que eu tinha feito em Bridge até então, resumia-se a nada. 
Lá de cima a visão era incrível, eu via parte da ‘civilização’... Este com certeza passava longe de ser o lado agitado da cidade, então constatei que não tinha que encontrar tempo apenas para conhecer minha casa, e sim me encontrar.



Quando eu desci, o jantar já se estava na mesa. Havia comida pra alimentar um exercito ali, não estava mesmo disposta a comer sozinha, se ele não me faria companhia, então que aceitasse a minha. 
Tentei não fazer notada minha presença por Bertrand, que provavelmente aquela hora estaria na cozinha ao lado, me servi e fui até lá.



- Imaginei que fosse lhe encontrar aqui!
- Perdão Senhora Luma...
E antes que ele pudesse continuar interrompi...
- Não, não precisa levantar. Veja, Ja estou servida! só preciso de companhia. Então... Janta comigo?



Ele me olhou ainda um tempo ate levar novamente o garfo a boca, de alguma forma eu sabia que ele achava inadmissível que eu... Uma Morton... Jantasse na cozinha com um criado. Vendo que eu me sentava à mesa, ele assentiu que sim com a cabeça, e eu sorri.
Estava selado o meu primeiro laço de amizade naquela cidade!



Durante o jantar, ele passou maior parte do tempo em silêncio, dava pra sentir o seu desconforto em ter que ficar comigo a mesa, eu não consigo entender como alguém pode ter sido tão bem ‘treinado’. Eu só queria companhia, enquanto ele estava mais preocupado com desempenho do seu trabalho em me servir. Não parecia conformado, em vê como as coisas seriam depois de minha chegada. Terminei o meu jantar e antes de sair da cozinha – lugar que ele acreditava não ser pra mim – arrisquei algumas palavras



- Eu sinto que lhe desagrado em algumas de minhas atitudes Bertrand, eu sei que não sou ‘a Senhora’ que você esperava chegar aqui ontem à noite, mas infelizmente eu não me sinto assim. Não me sinto como a tal, e nem tão pouco serei.  Acostume-se!
Sai da cozinha sem lhe dá tempo de falar qualquer coisa, eu estava cansada, eu me sentia sozinha e a única pessoa com quem eu poderia ou não contar, tinha sido treinado pra me ‘servir’.



Embora não tivesse feito quase nada, ainda sentia meu corpo cansado, decidi que o melhor seria subir, tomar um banho e dormir... Amanha será diferente - Pensei.
Do quarto, olhei ainda uma vez da janela... Quase não parou de chover, desde que cheguei aqui!  Logo seria inverno... Mais um na minha vida.(Sobre isso)



Não dormi bem aquela noite, por inúmeras vezes acordei assustada com o barulho dos trovões lá fora, eu não tinha vindo de tão longe pra levar a mesma vida de antes, eu precisava sair, fazer alguma coisa fora daqueles muros, mas o entusiasmo era pequeno diante da vontade de fazer valer à pena.



 Olhei o relógio... Marcava pouco mais de 6:30 da manhã, se Bertrand não já estivesse acordado logo estaria de pé. O quarto dele ficava ao lado do meu, mesmo assim, eu mal conseguia ouvir algum ruído vindo de lá. Lembrei de minhas últimas palavras ditas a ele no dia anterior. Não tive intenção de magoá-lo, mas não era aquilo que eu queria pra mim, não era assim que imaginava que seriam as coisas. 



E por falar em coisas... Haviam muitas que eu ainda precisava providenciar, a começar pelo meu trabalho. Se o que eu queria era mesmo vida nova, era bom começar colocar em prática os meus projetos. Então decidi que aquela manhã seria diferente. Que faria diferente. Saí do banho, renovada. Desci as escadas quase correndo... Entrei na cozinha e lá estava Bertrand, preparando o café.
- Bom dia!
- Bom dia... Já de pé tão cedo?
- Pretendo sair.
- Não vai comer nada antes?
- To sem fome, mas aceito um cappuccino desses – disse já me servindo de uma das xicaras da bandeja posta sobre o balcão



Engoli o café e saí. Bertrand me acompanhou até a entrada,
Do carro ainda gritei:
- Não se preocupe com o almoço, qualquer coisa, eu como na rua... Caso contrário, eu ligo!



Parecia um milagre que depois de toda aquela chuva na noite anterior o dia estivesse tão lindo!

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Um de muitos



Acordei com a luz do dia entrando pela janela do meu quarto, e o som da chuva acompanhado de trovões assustadores. Levantei ainda sonolenta... Que horas seriam? Recostei na vidraça da janela, o cenário lá fora indicava que a chuva havia caído noite adentro. O outono parecia estar se despedindo em grande estilo. Será que naquele momento o céu de Champ Le Sims, também chorava daquele jeito? Foi ontem... Mas a falta era tanta, que até parecia fazer uma eternidade que eu havia saído de lá. Dessa vez eu fui interrompida por outro som, era o meu estômago.


Revirei as malas em busca de algo que me agasalhasse naquela manhã fria, tentei dá um jeito no cabelo e resolvi descer, lembrei-me do café da manhã que Bertrand tinha falado no dia anterior.


Subindo as escadas, à direita...  Última porta no fim do corredor. - repetia enquanto caminhava - 
Dessa vez eu só teria que refazer o mesmo percurso e de repente eu encontraria o meu Mordomo.


Agora no Hall de entrada, sozinha... Olhei em volta, nada, nem sinal de Bertrand, mas a visão que agora eu tive daquele lugar foi diferente a que eu havia tido, horas atrás...
- Seja bem vinda, Luma Morton! - lembrei das palavras de Bertrand. - Mas como? Se era tão óbvio que eu ainda demoraria muito a me acostumar-se ‘dona’ de tudo aquilo ali.


Onde ficaria a cozinha? Onde quer que fosse não deveria ser muito longe, a julgar pelo cheiro delicioso de comida que eu sentia. Fui guiada pelo meu olfato, atravessei o salão e logo me deparei com a sala de jantar,


Quando entrei na cozinha Bertrand estava sentando em uma mesa de canto, tomando um chocolate quente,
- Bom dia!
- Boa tarde, Senhora!
- Boa tarde? Mas... Que horas são?
- Um pouco mais de meio dia, são precisamente 12:30


- Nossa dormi tanto! - ele fez menção em se levantar ao me ver, mas foi interrompido quando me viu sentar-se com ele à mesa. - E eu que ainda achei que tivesse dormido pouco menos de 4:00 horas, está explicada a razão pela qual sinto um buraco negro no estômago!
- Perdão Senhora, colocarei a mesa!
- Não é necessário, apenas me veja alguma coisa pra comer, e só!
- Sim Senhora!
Ele falou isso enquanto levantava...
- Bertrand...
- Pois não.
- Não me interprete mal, eu apenas não estou acostumada a tais regalias.
Ele apenas balançou a cabeça afirmativamente.


Enquanto Bertrand providenciava alguma coisa que saciasse a minha fome, levantei e fui ate a porta no final da cozinha, abri-a lentamente...
- Uma estufa!!!
Nessa hora ouvi ele chamar... Não tive tempo de ver os arbustos, mas prometi pra mim que jardinagem ali seria um dos meus hobby’s.


Torta de abóbora e rabanada, se o cheiro era delicioso, imagina então o sabor? Aquela deveria ter sido a torta que ele havia preparado para o café da manha especial que infelizmente eu havia perdido...
- hmmmm... deliciosa! Você cozinha muito bem!
- Só faço o meu trabalho! - falou enquanto acendia a lareira de sala de jantar.


- Está frio hoje, não é? - arrisquei
- Em dias frios é sempre bom manter a casa aquecida.
- lareiras acesas até podem aquecer uma casa, mas nunca aquecerá um coração.
- Perdoe minha indiscrição Senhora... Seu coração por acaso está frio?
- Ouça! - disse levantando-me da mesa na tentativa de fugir da resposta - A chuva cessou!
- Há pouco mais de dez minutos Senhora - ele respondeu, e completou tentando disfarçar o seu embaraço diante da pergunta que acabara de me fazer - Creio que já posso retirar a mesa.
- Ah, sim, claro! A propósito Bertrand... vi que temos uma estufa! A porta que fica no final da cozinha dá acesso a uma linda estufa!
- Acredito que também irá gostar de conhecer o pomar, assim como outros cômodos da casa. - Falou enquanto retirava a mesa.


Sai da sala de jantar e atravessei o hall de entrada, de fato, eu ainda não tinha conhecido todos os cômodos da casa, e ela parecia imensa. Agora muito maior que ontem à noite.
Nada ali parecia ter vida, ou pior... Que já houvesse tido algum tempo atrás.


Entrei no salão de festas, e de uma maneira quase inexplicável senti como se já tivesse vivido ali, de alguma forma, não me pareceu tão novo. 
Descrever o que eu senti, era impossível. De repente me vi sentada no piano velho, tentando tirar dele algum som, qualquer um que matasse aquele silêncio... Pois que se ainda teríamos coisas mortas naquela casa, então que fosse aquele vazio.


As aulas de piano na frança, tinham me valido enfim de alguma coisa, eu não era o tipo de moça prendada... Mas se existia algo que eu considerava ainda fascinante, eu poderia chamar de conhecimento.  Devo ter ficado ali tempo suficiente para que meu Mordomo sentisse minha falta...
- ‘Meu Mordomo’ - repeti baixinho essas palavras ao sentir sua aproximação.
Pois esta era quase imperceptível, ele tinha hábito de se esquivar por um lado e outro daquele mausoléu, por vezes aquela manhã tive a impressão de que ele fosse parte da mobília, 


A passos lentos, senti que alguém se aproximava, era Bertrand. Parado ao meu lado, ficou ali, imóvel como uma estatua humana me observando, eu não sei se ele olhava minha falta de habilidade com as teclas do piano ou se esperava educadamente do seu canto que eu me dispusesse a ouvi-lo.  



 - Algum problema? - Disse, levantando-me.
 - Perdão Senhora, não era minha intenção interromper-lhe, estava indo alimentar as abelhas, ouvi o som do piano...
- ...      
- Há quanto tempo não o ouço...
- Não sabe tocar?
- Não me atreveria... Estou aqui apenas para cuidar de vossa casa.
- Não foi o que perguntei.  Esteve aqui sua vida inteira, não?
- Sim Senhora.
- Creio que antes de você, os seus pais também serviram a minha família... Deve saber muito mais dos meus antepassados que eu... Isso aqui é tão meu quanto seu.
- Não sei tocar... Não tão bem quanto à senhora! Se não for pedir-lhe muito, continue, Por favor!


Olhei ele ainda uma vez e voltei a tocar o instrumento, Ele só poderia mesmo está tentando ser gentil comigo, eu não me considerava uma pianista, muito embora soubesse de ‘cór’ algumas partituras de Chopin e Beethoven.
Seja lá de quem tivesse sido aquele instrumento - juntamente com tantos outros naquela sala - entendia de música suficiente a ponto de encher em outros tempos aquele salão, agora tão vazio.


Passaram-se ainda alguns minutos, até que eu interrompesse o transe em que Bertrand se encontrava, as notas que soavam do piano pareciam transportá-lo para outros tempos em que vivera ali, ele estava maravilhado.
 - Não sabe tocar... Mas é tocado pela música, não é? Bem... É um bom começo. - sorri, quebrando aquele gelo que ele havia criado entre nós a manha inteira. - A propósito... Me chame de Luma!
Dessa vez... foi ele quem me pareceu sorrir.
- Sim Sen...nhora... Perdão! - e de um jeito meio desconcertado, ele completou - A que horas devo servir-lhe o jantar?